Novo jogo de Hideo Kojima é um triunfo dos videogames
Érico Borgo
A discussão de games como forma de arte e narrativa não é de hoje. Jogos eletrônicos são frequentemente alardeados como o melhor meio possível para a "narrativa interativa" que literatura, televisão e até o cinema costumam testar, sem resultados significativos. Mas se a maioria dos games de fato decepciona nesse sentido - quem nunca pulou uma das chamadas "cutscenes"? (cenas que contam a história entre seqüências de ação?) -, alguns raros projetos merecem ser exaltados como verdadeiros representantes dessa corrente. Tais jogos conseguem efetivamente apresentar um delicado equilíbrio entre a narrativa pré-estabelecida e as seqüências em que o jogador assume o comando da história.
Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots não apenas consegue isso como se estabelece desde já como um marco na história dos games.
A nova criação de Hideo Kojima, o desfecho de sua famosa série inicial em 1987, é um triunfo artístico e tecnológico em todos os sentidos. Tiremos do caminho as qualidades mais óbvias - o design, a direção de arte, a sonoplastia e a dublagem, todos emocionante e impecáveis - e nos concentremos nas reais intenções de Kojima, que ficam claras logo nos primeiros cinco minutos. Na cena de abertura, a bordo de um caminhão de transporte de tropas, vemos a figura envelhecida de Solid Snake, coberto por um capuz e pela fumaça de seu cigarro. A câmera acompanha detalhes da estrada com a competência de uma superprodução da Sétima Arte, créditos pipocando, até que, sem muito aviso a não ser os ícones na tela, assumimos o controle de Snake. Sim, sem aviso, porque simplesmente não há transição entre a animação pré-gravada e a do engine do jogo. Os vídeos animados que contam a trama foram realizados usando os mesmos recursos que o jogador em em mãos. Não é como a grande maioria dos games, em que temos belíssimas seqüências em animação por computação gráfica, que cortam para o game em si, no qual controlamos versões mal-acabadas dos mesmos personagens. O choque em Metal Gear Solid 4 é que a tal belíssima cena animada simplesmente não termina. É tudo um grande longa-metragem interativo... Ora você tem o controle das câmeras, ora não.
Melhor ainda: Mesmo em algumas das cenas narrativas você tem, sim, o controle das câmeras. Obcecado pela interatividade, Kojima dá maneiras de nos entretermos enquanto ouvimos uma conversa mais longa. A cena entre os Atos 1 e 2, por exemplo, vem montada num painel que parece até a tela do canal Bloomberg. Você pode trocar janelas, mudar pontos de vista ou até mesmo assumir o controle do robozinho Mark II - e sair rodando pelo avião enquanto Snake e Octacon conversam. Surpreendentemente, durante um passeio desses, acabei encontrando um item extremamente útil, mais uma prova das intenções do criador.
Fica a impressão que Kojima foi durante sua carreira inteira limitado apenas pelo hardware no qual está trabalhando. Aqui, no Playstation 3, ele tem a maior liberdade que já experimentou. O designer abusa da capacidade de armazenamento do blu-ray (boatos diziam até que o game seria duplo) e coloca na tela tudo o que o processamento do console consegue agüentar. Há cenas de batalhas em campo aberto, com dezenas de soldados disparando, atirando granadas, bombas de fumaça, disparos atingindo a água, terra, vegetação... Ok, não é algo tão impressionante quando um Crysis rodando num PC de ponta, mas se considerarmos o custo-benefício de um PS3 (400 dólares nos EUA) contra um PC desses (que não sairia por menos de 5 mil dólares), fica clara a escala e abrangência do game.
As fases são bastante extensas, mas apesar de lineares - os objetivos são sempre ir do ponto "A" ao ponto "B" - é possível cumpri-las de uma série de maneiras. A ação furtiva, marca da franquia, segue a mais recomendada, mas é possível encarar inimigos de frente, numa combinação de ataques e furtividade. Além disso, todos os ambientes possuem vários caminhos possíveis, alguns nada óbvios, o que torna cada fase única. Reforçam essa certeza a quantidade de recursos à disposição de Solid Snake.
Entre as novas habilidades do velho herói estão o Solid Eye, olho biônico capaz de baixar imagens de satélite, fazer varreduras de ondas e funcionar como binóculo. Outra poderosa ferramenta nas habilidades de infiltração do superespião é seu uniforme, o OctoCamo, capaz de assumir colorações que o fazem passar-se por estátua, copiar texturas e cores de superfícies - algo que Snake emprega para derrubar oponentes sem ser visto, esgueirando-se por trás e roubando armas. Além de derrubá-los ele pode rendê-los, roubando armas e equipamentos depois de uma revista. Outra novidade é o Metal Gear Mark II - robozinho que Solid comanda através de controle remoto para fazer reconhecimento e em ataques leves com choques elétricos. Completam a seleção a possibilidade de fazer alianças com milícias, esconder-se dentro de caixas e latões e o verdadeiro sem-fim de armas e equipamentos. Não é exagero afirmar que dá pra passar o game inteiro usando apenas cinco ou seis entre dezenas de possibilidades.
Quanto à intrincada história, que envolve quase duas décadas de personagens e situações, não pretendo entrar em detalhes aqui, até porque eu nem saberia muito bem por onde começar. Vale dizer, porém, que não conhecer um ou outro não tem lá grande relevância. Não acredito que minha satisfação tenha sido influenciada por conta disso. Mas fica a certeza que os fãs ficarão extremamente contentes (fora uma ou outra tentativa de humor escatológico desnecessária), já que trata-se de um desfecho que amarra pontas e respeita quem pacientemente acompanhou todas as versões do jogo.
Enfim, algumas horas antes de começar a jogar Metal Gear Solid 4, disco na mochila, uma amiga me perguntou porque eu estava tão ansioso para ir pra casa. Tentei explicar a relevância da novidade em termos cinematográficos: "É o equivalente dos games à estréia do novo Indiana Jones", arrisquei. Errei feio. Por mais que eu tenha gostado do filme de Spielberg, em termos de evolução, tecnologia, entretenimento e novas possibilidades narrativas, a aventura de Kojima deixa o velho arqueólogo lá pra trás - e ele nem veria Solid Snake passando...
Érico Borgo
A discussão de games como forma de arte e narrativa não é de hoje. Jogos eletrônicos são frequentemente alardeados como o melhor meio possível para a "narrativa interativa" que literatura, televisão e até o cinema costumam testar, sem resultados significativos. Mas se a maioria dos games de fato decepciona nesse sentido - quem nunca pulou uma das chamadas "cutscenes"? (cenas que contam a história entre seqüências de ação?) -, alguns raros projetos merecem ser exaltados como verdadeiros representantes dessa corrente. Tais jogos conseguem efetivamente apresentar um delicado equilíbrio entre a narrativa pré-estabelecida e as seqüências em que o jogador assume o comando da história.
Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots não apenas consegue isso como se estabelece desde já como um marco na história dos games.
A nova criação de Hideo Kojima, o desfecho de sua famosa série inicial em 1987, é um triunfo artístico e tecnológico em todos os sentidos. Tiremos do caminho as qualidades mais óbvias - o design, a direção de arte, a sonoplastia e a dublagem, todos emocionante e impecáveis - e nos concentremos nas reais intenções de Kojima, que ficam claras logo nos primeiros cinco minutos. Na cena de abertura, a bordo de um caminhão de transporte de tropas, vemos a figura envelhecida de Solid Snake, coberto por um capuz e pela fumaça de seu cigarro. A câmera acompanha detalhes da estrada com a competência de uma superprodução da Sétima Arte, créditos pipocando, até que, sem muito aviso a não ser os ícones na tela, assumimos o controle de Snake. Sim, sem aviso, porque simplesmente não há transição entre a animação pré-gravada e a do engine do jogo. Os vídeos animados que contam a trama foram realizados usando os mesmos recursos que o jogador em em mãos. Não é como a grande maioria dos games, em que temos belíssimas seqüências em animação por computação gráfica, que cortam para o game em si, no qual controlamos versões mal-acabadas dos mesmos personagens. O choque em Metal Gear Solid 4 é que a tal belíssima cena animada simplesmente não termina. É tudo um grande longa-metragem interativo... Ora você tem o controle das câmeras, ora não.
Melhor ainda: Mesmo em algumas das cenas narrativas você tem, sim, o controle das câmeras. Obcecado pela interatividade, Kojima dá maneiras de nos entretermos enquanto ouvimos uma conversa mais longa. A cena entre os Atos 1 e 2, por exemplo, vem montada num painel que parece até a tela do canal Bloomberg. Você pode trocar janelas, mudar pontos de vista ou até mesmo assumir o controle do robozinho Mark II - e sair rodando pelo avião enquanto Snake e Octacon conversam. Surpreendentemente, durante um passeio desses, acabei encontrando um item extremamente útil, mais uma prova das intenções do criador.
Fica a impressão que Kojima foi durante sua carreira inteira limitado apenas pelo hardware no qual está trabalhando. Aqui, no Playstation 3, ele tem a maior liberdade que já experimentou. O designer abusa da capacidade de armazenamento do blu-ray (boatos diziam até que o game seria duplo) e coloca na tela tudo o que o processamento do console consegue agüentar. Há cenas de batalhas em campo aberto, com dezenas de soldados disparando, atirando granadas, bombas de fumaça, disparos atingindo a água, terra, vegetação... Ok, não é algo tão impressionante quando um Crysis rodando num PC de ponta, mas se considerarmos o custo-benefício de um PS3 (400 dólares nos EUA) contra um PC desses (que não sairia por menos de 5 mil dólares), fica clara a escala e abrangência do game.
As fases são bastante extensas, mas apesar de lineares - os objetivos são sempre ir do ponto "A" ao ponto "B" - é possível cumpri-las de uma série de maneiras. A ação furtiva, marca da franquia, segue a mais recomendada, mas é possível encarar inimigos de frente, numa combinação de ataques e furtividade. Além disso, todos os ambientes possuem vários caminhos possíveis, alguns nada óbvios, o que torna cada fase única. Reforçam essa certeza a quantidade de recursos à disposição de Solid Snake.
Entre as novas habilidades do velho herói estão o Solid Eye, olho biônico capaz de baixar imagens de satélite, fazer varreduras de ondas e funcionar como binóculo. Outra poderosa ferramenta nas habilidades de infiltração do superespião é seu uniforme, o OctoCamo, capaz de assumir colorações que o fazem passar-se por estátua, copiar texturas e cores de superfícies - algo que Snake emprega para derrubar oponentes sem ser visto, esgueirando-se por trás e roubando armas. Além de derrubá-los ele pode rendê-los, roubando armas e equipamentos depois de uma revista. Outra novidade é o Metal Gear Mark II - robozinho que Solid comanda através de controle remoto para fazer reconhecimento e em ataques leves com choques elétricos. Completam a seleção a possibilidade de fazer alianças com milícias, esconder-se dentro de caixas e latões e o verdadeiro sem-fim de armas e equipamentos. Não é exagero afirmar que dá pra passar o game inteiro usando apenas cinco ou seis entre dezenas de possibilidades.
Quanto à intrincada história, que envolve quase duas décadas de personagens e situações, não pretendo entrar em detalhes aqui, até porque eu nem saberia muito bem por onde começar. Vale dizer, porém, que não conhecer um ou outro não tem lá grande relevância. Não acredito que minha satisfação tenha sido influenciada por conta disso. Mas fica a certeza que os fãs ficarão extremamente contentes (fora uma ou outra tentativa de humor escatológico desnecessária), já que trata-se de um desfecho que amarra pontas e respeita quem pacientemente acompanhou todas as versões do jogo.
Enfim, algumas horas antes de começar a jogar Metal Gear Solid 4, disco na mochila, uma amiga me perguntou porque eu estava tão ansioso para ir pra casa. Tentei explicar a relevância da novidade em termos cinematográficos: "É o equivalente dos games à estréia do novo Indiana Jones", arrisquei. Errei feio. Por mais que eu tenha gostado do filme de Spielberg, em termos de evolução, tecnologia, entretenimento e novas possibilidades narrativas, a aventura de Kojima deixa o velho arqueólogo lá pra trás - e ele nem veria Solid Snake passando...
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