terça-feira, janeiro 24, 2012

Meu conto: Matou a família e foi ler o jornal do dia




Matou a família e foi ler o jornal do dia
(Marcos Henrique)


Mais um domingo nascia. O ponteiro pequeno estava em cima do número cinco e o grande, em cima do número oito. Ele já estava pronto, pronto e ansioso. Tomou seu café com leite, comeu torradas integrais, uma fatia de queijo coalho e para completar, uma banda de mamão havaiano. Saciado, foi ao banheiro, escovou os dentes, sentia orgulho por ter 62 anos e todos os dentes. Foi para o terraço, observou com seus óculos multifocais o jornal de sábado, ali, parado, sem vida, pensou: Quando me tornarei sem serventia?

Esticou-se na cadeira e pôde olhar para dentro da sala, o ponteiro pequeno estava agora quase no número seis, o ponteiro grande no número cinquenta e cinco. Esfregou as mãos, voltou a olhar para o jornal da edição passada e pensou: O que ele vai me mostrar neste domingo? Começou a olhar para os dedos das mãos, brincou com as unhas que estavam um pouco grandes. Estava na hora de podar seus dedos.

- Vai dar tempo?

Levantou de uma só vez, foi até seu quarto, abriu o guarda-roupa, procurou, procurou, procurou, não encontrou o que queria, olhou para a esposa que ressonava, não quis acordá-la.

- Onde essa velha coloca a tesoura? – pensou.

Foi até a porta do quarto, esticou-se e olhou o relógio na parede que marcava seis horas em ponto. Não havia tempo para sua vaidade. Correu até o terraço, olhou pela grade que, protegia seu mundo. Nada no quintal. Chamou a empregada e perguntou se ela havia pegado o objeto de seu desejo. Ouviu um sonorico – Não –.

- O que está acontecendo com o mundo? - se perguntou.

Lembrou que seu nome era um dos mais comuns, olhou para o jornal de sábado e lembrou que descobriu isso ao folhear o finado.

- O que está acontecendo com o mundo? – falou em voz alta.

Sentou-se na cadeira do terraço, olhos fixo no portão, ouvidos atentos, não ouvia os latidos dos cachorros da vizinhança.

- O que está acontecendo com o mundo? – se questionava, enquanto esfrega as mãos e sentia as unhas grandes rosando em suas palmas. Pensou em voltar ao quarto e continuar com sua busca pela tesoura, mas não queria sair dali, não queria perder aquele momento tão esperado.


- Bom dia – disse à esposa que, acabara de acordar. Ele respondeu com um aceno de mão, a companheira sorriu.

Levantou-se por uns instantes, olhou para a sala, o relógio estava lá certeiro como nunca. Ponteiro pequeno encima do número seis, ponteiro grande encima do número quatro.

- Vinte minutos de atraso. Vinte minutos! É um absurdo!

- O que foi José? – perguntou a esposa aparecendo na porta da sala.

- O jornal, está atrasado vinte minutos! Um absurdo!

- Ele chega já. Tomou café?

-Tomei. Que absurdo!

- Tua filha vem hoje para cá, vem com as crianças, o marido e a sogra.

- Que falta de respeito! – dizia e, não prestou atenção a uma única palavra da esposa que, gesticulou com a mão, algo do tipo: Ah! E saiu da porta para trocar de roupa.

Tornou a olha para o jornal de sábado, o pegou nas mãos, abriu o primeiro caderno, não era a mesma coisa, não tinha o mesmo cheiro, aquele aroma que apenas jornais novos tinham. Foi para a seção de esportes, não importava mais saber que seu time do coração havia perdido. – Só notícias mortas – pensou.

- O que está acontecendo com o mundo? – tornara a se perguntar.

Foi até a sala, pegou as chaves da grade e foi até o portão – Onde se meteu este filho da puta? – falava, se referindo ao jornaleiro.

Voltou para dentro de casa. Guardou as chaves, pendurou-as no porta chaves que tinha ganhado da única filha. Tornou a olha para o relógio. Quinze para as sete.

- Puta que o pariu!

- O que é isso homem? Tá ficando doido? – lhe repreendeu a esposa.

- Quase uma hora de atraso do jornal - continuo – Isto nunca aconteceu, são vinte anos de assinatura. É uma falta de respeito!

- Chega já – falava esposa, tentando acalmá-lo.

Às sete horas em ponto, sua filha toca a cigarra, mas com o barulho que os filhos dela faziam, não seria preciso tocar cigarra alguma.

O velho estava sentando numa das cadeiras do terraço, um jogo de cadeiras com um centro de vidro que o genro havia dado de presente no último natal.

- Papai, abra aqui o portão.

- Já vou – falou emburrado.

Abriu o portão, tentou driblar as formalidades. Em vão. Apertos de mãos, beijos e pedidos de benção foram-lhe solicitados. – Entrem, vamos entrando – falou.

Seus netos, dois meninos, um de oito e outro com seis anos, entraram rasgando o mundo metafísico, até esbarrarem na forma física da avó.

A família estava reunida, para passar um domingo juntos, já que nem sempre se viam. A vida moderna não nos da tempo de socializarmos fisicamente. A filha, havia se casado e ido morar a duas horas de viagem da casa deles, foi morar perto da sogra que, já era muito idosa e estava mais para lá do que para cá. O genro era um engenheiro metido a besta que, conseguiu seu primeiro emprego no ramo graças ao falecido pai, um arquiteto de renome.

- O que papai tem mãe?

- É o jornal.

- O jornal?

- Está atrasado, sabe como seu pai é não vive sem ler o jornal.

- Sei. Se soubesse disso, tinha trazido o de lá de casa.

O velho escutou de sua cadeira no terraço – Filha desnaturada! – pensou.


- Vamos entrando e se acomodando, vou fazer uma macarronada deliciosa – disse a mãe.

Sete e meia da manhã e nada do jornal. Muitas coisas começaram a passar pela cabeça do velho: O jornaleiro está morto; foi sequestrado; atropelado e está em coma com meu jornal nas mãos; foi abduzido; filho da puta! Está na esquina da rua, rindo de todo o transtorno que está me causando.

Pensou em levantar e ir até a esquina, mas antes de conseguir realizar suas vontades, o genro chega e senta-se para puxar conversa.

- Como vai sogro?
- Não muito bem.
- É o jornal?

Ele sabia que era o jornal, então porque estava perguntando se toda aquela situação estava sendo causada pelo jornal, ou melhor, pela falta dele.

- Se eu soubesse que seu jornal não havia chegado...

O genro foi interrompido pelo levantar rápido do sogro, o jornal acabara de chegar e, como um investigador criminal, José interrogou o jornaleiro com todo afinco.

- E que isso não aconteça mais – dizia José, enquanto o jornaleiro tentava se explicava.

Já era quase oito horas, os vizinhos que sempre acordavam mais tarde aos domingos resolveram despertar mais cedo. Carros sendo tirados, para serem lavados, garotas com seus micro-shorts passeando com seus cães, mas o velho José, só queria saber de uma coisa. Ler o seu jornal de domingo. Não havia tempo para afinidades com vizinhos.

Começou a tirar o jornal do saco plástico, quando chegaram os netos querendo atenção.

- Vô! Vô! Vamos brincar!

O velho não queria saber de brincar, só queria ler seu jornal.

- Outra hora. – respondeu secamente.

As crianças ficaram tristes, saíram de cabeça baixa. O genro não gostou muito e como desforra, ficou determinado a não deixar o velho ler o jornal.

Enquanto o senhor José tentava abrir o pacote, seu genro não parava de falar, falava do trabalho, de seus projetos e de um bate boca que teve com um mestre de obras.

- José, o que você fez com os meninos – falou a esposa, chegando sorrateiramente.
- Não fiz nada.
- Os meninos vieram, hoje, para passar o dia com agente e será que você não pode dar um pouco de atenção a eles?
- Me deixa ler o Jornal, que nos brincamos depois.
- Três horas de viajem para isso, José.

Eram duas horas de viagem e não três – Porque mulher faz drama em tudo – pensou.

Os garotos começaram a chorar e, foi aí que, a esposa teve a idéia mais estúpida da humana. - Não vou deixar esse rabugento ler essa porcaria de jornal de domingo.

José pediu licença ao genro e foi para o quintal, tentar ler as notícias, pegou uma das cadeiras do terraço e foi para uma sombra, que um pé de carambolas proporcionava todas as manhãs em seu terreno.

- Vamos fazer de tudo para ele não ler o jornal de hoje – falava a sua companheira, enquanto a sogra da filha morria de rir.

- Mamãe, deixa o pai ler o jornal dele, o coitado depois que se aposentou, só tem essa diversão.
- Hoje ele não lê esse Jornal – foi relutante.

O cheiro do jornal era ótimo, apesar da hora que chegara, ainda tinha cheiro de jornal novo, as notícias ainda eram fresquinhas, pelo menos para José. Só que o homem não sabia do plano que estavam armando por suas costas, nem quem seria a autora intelectual dos atos que se sucederam. E assim, o plano foi posto em prática, era menino correndo, brincando de paga, gritando, destruindo o equilíbrio natural das coisas. A filha vinha a cada 10 minutos, com fotos antigas, para rememorar os tempos de glória, a empregada que perguntava qualquer bobagem e o genro que com a cara mais sínica, reclamava com os moleques, mas estava se deliciando com o caos. Um inferno! Estou no infernou – pensou o castigado homem.

José, não se sentia tão estressado desde os tempos em que tinha que acordar, todos os dias, às quatro e meia da manhã e pegar um trânsito infernal para poder ir ao trabalho. Sentiu saudades.

Sempre que iniciava a leitura, uma interrupção. Do primeiro cadernos viu só a charge, do caderno internacional, apenas o nome: Internacional; cultura, apenas o título: Furacão Baiano faz show inesquecível. Foi quando o genro teve a excelente ideia de falar que Leonel Messi fora escolhido pela terceira fez o melhor jogador do mundo, aquilo era inadmissível, o caderno de esportes era sagrado para qualquer homem, até seu genro sabia disto

José o olhou, no fundo da alma, o genro se sentiu nu, colocou as mãos no peito, como que tentando esconder sua nudez e entrou na casa desconfiado.

- Acho que excedemos os limites – falou ao entrar na cozinha.

José, foi até a garagem, pegou um facão, que havia amolado para poder podar o pé de carambolas mais tarde, entrou em casa e começou seu ritual. Gritos podiam ser ouvidos pelos vizinhos, que começaram a se aglomerar enfrente a casa. – Não vovô, vovô – gritavam os moleques e José respondia: - Querem jogar bola!? Vão jogar, agora, no raio que os parta!
Tudo durou pouco mais de vinte minutos. José saiu da cozinha e o que deixou para trás foram, pedaços de corpos, vísceras, sangue e a cabeça de seus familiares em cima da mesa, com a exceção da cabeça do genro que, havia sido jogada no balde de lixo, até a emprega ganhou um lugar em cima da mesa, pois prestavas bons serviços para a família a mais de vinte anos.

O homem parecia estar cansado, mas com um semblante sereno. Passou a mão no rosto, para limpa um pouco do sangue que lhe untava todo o corpo, foi até o quintal, sentou-se e depois de ter cometido seu ato de selvageria e libertação, pegou seu jornal, com toda a calma do mundo, procurou os classificados, em busca de um emprego, pois precisava complementar a renda da família e não aguentava mais toda aquela ociosidade que a aposentadoria lhe causara.

- Como pode um aposentado sobreviver neste País? – pensou, ao ver o aumento que o governo deu a sua categoria e, finalmente conseguiu matar a vontade de ler seu jornal dominical.

2 comentários:

Milla disse...

Nossa, que história!!! pior que isso pode acontecer mesmo...
Ola, entrei no seu blog por acaso, e estou seguindo, gostei muito...
pode me seguir de volta?
http://www.dailyofbooks.blogspot.com/

abraços
Parabéns!!! Vc escreve muito bem!!

Linha da Última Resistência disse...

Obrigado Mila. Vou te seguir sim. Abraços Virtuais!