sexta-feira, julho 27, 2007

BRASIL



PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. – Folha de S. Paulo 19jul07O peso do Brasil.
UM DOS meus leitores mais antigos e mais fiéis reclamou há poucos dias do excesso de repetição e conjecturou: "Você deve estar trabalhando muito". Dei uma repassada nos artigos recentes e constatei, envergonhado, que ele tem uma certa razão. Eu poderia empostar a voz e responder, citando o meu guru: "Tudo o que é dito uma vez, e uma única e solitária vez, permanece para sempre rigorosamente inédito". Nelson Rodrigues está certíssimo, mas a verdade é que eu tenho mesmo trabalhado muito aqui no Fundo Monetário Internacional. Não é segredo que o excesso de trabalho, e especialmente de reuniões, tende a deprimir a criatividade. A observação do leitor me lembrou um episódio relatado por John Kenneth Galbraith. No início dos anos 60, Ted Kennedy, o caçula da família, enfrentava a sua primeira disputa eleitoral. Ted acordou cedo para fazer campanha na porta de uma fábrica. Um trabalhador mais velho se aproximou dele e disse: "Teddy, meu menino, eu ouvi dizer que você nunca trabalhou nem um dia sequer na vida". Era realmente o ponto mais vulnerável do candidato e ele se preparou para responder com cuidado. Mas o velho não esperou: "Deixe eu lhe dizer, rapaz. Você não perdeu absolutamente nada". No campo republicano, temos também aquela tirada de Ronald Reagan, um grande frasista que foi também presidente dos Estados Unidos: "It's true that hard work never killed anybody, but, I figure, why take the chance?" ("É verdade que o trabalho duro nunca matou ninguém, mas, penso eu, por que correr o risco?"). Essa tirada, confesso, eu também já citei "n" vezes. Mas, enfim, não há o que fazer. Uma das razões da sobrecarga de trabalho que um diretor-executivo brasileiro necessariamente enfrenta, aqui no Fundo como em outras organizações internacionais, merece ser divulgada e frisada: o peso do Brasil. Há uma grande demanda pela participação, opinião e apoio do nosso país. Em todos os temas centrais da agenda do Fundo, sem exceção, o envolvimento do Brasil é sempre esperado e ativamente solicitado. Nem sempre o brasileiro se dá conta da importância do Brasil. Nós sofremos, como se sabe, daquilo que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-latas". O brasileiro, dizia ele variando a metáfora, é "um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Vale a pena então lembrar alguns dados básicos. O Brasil é o quinto maior país do planeta tanto em termos de extensão geográfica como de população. Considerando o PIB, medido por paridade de poder de compra ou a taxas de câmbio de mercado, a economia brasileira é a décima maior do mundo (estatísticas de 2006). Como costuma lembrar o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-executivo do Itamaraty, só cinco países -EUA, Rússia, China, Brasil e Índia- aparecem nas listas dos dez maiores em termos de área, população e PIB (medido por paridade de poder de compra). Com esse tamanho todo, o Brasil terá sempre espaço para se fazer ouvir nos fóruns internacionais. É indispensável, claro, que exista vontade política de tirar partido do nosso peso. Precisamos exercer também a nossa capacidade de argumentar e persuadir. E, por último, mas não menos importante, temos que ter sempre em vista a necessidade de continuar construindo aos poucos e com paciência um bloco sul-americano, centrado na aliança estratégica com a Argentina. Vamos ou não relegar o complexo de vira-latas ao status de curiosidade histórica?


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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