sábado, abril 18, 2009

O SEGREDO - Fé ou Lei da atração?

Depois de ser traduzido para 15 idiomas, vender mais de 7,5 milhões de exemplares, e se notabilizar como o maior fenômeno editorial do ano, O segredo de Rhonda Byrne, é mais um - na esteira dos turbulentos best-sellers – a gerar questionamentos entre a comunidade cristã.

Você já ouviu falar na lei da atração? Acredita que seus pensamentos possuem um magnetismo que é responsável por atrair todas as coisas que lhe cercam? Que todos os seus sonhos podem ser realizados ou destruídos exclusivamente através da força do seu pensar? A fórmula é simples: peça, creia e o universo atrairá. Para os formuladores da “lei da atração”, se Deus existe, sua presença no Cosmo é irrelevante, uma vez que o universo funciona como uma espécie de gênio mágico, que atende a todos os pedidos
Para alimentar essa tese, a esteira editorial não pára. E, dessa vez, a obra que está em debate na comunidade cristã é o best-seller O Segredo, um documentário transformado em livro que, apesar de citar as próprias palavras de Jesus, indiretamente entra em conflito com a fé. Mas que teoria é essa? De onde ela surgiu? Qual o seu conteúdo? Como chegou ao topo do ranking dos mais vendidos até hoje? E o que a igreja tem a dizer sobre seus ensinamentos?

COMO NASCEU A OBRA

Tudo começou em setembro de 2004, quando a vida da renomada produtora de TV, a australiana Rhonda Byrne, beirava o caos. Afundada em dívidas e depressiva, seus negócios iam de mal a pior. O pai estava com leucemia. A mãe ameaçava suicidar-se e o mundo parecia desabar. Certo dia, ao compartilhar com a filha Hailey, na época com 24 anos, sobre os problemas pelos quais a família estava passando, ouviu a seguinte resposta: “Mãe, vai dar tudo certo”. Logo, Hailey desaparece e retorna com as fotocópias de um antigo livro chamado The Science of Getting Rich (A Ciência de Ficar Rico), do autor Wallace Wattles, e incentiva a mãe a ler a referida obra. E ela afirma: “Li em menos de duas horas”.

Nesse livro, Wattles já aplicava a fórmula mágica e contemporânea da auto-ajuda. Dizia que os pensamentos eram como ímãs que atraíam prosperidade se fossem positivos, e problemas se fossem negativos. Como nada se cria, tudo se copia, Rhonda estava certa de que surgia em sua frente um grande tesouro, a teoria que podia mudar na prática a vida de bilhões de pessoas, e é claro, principalmente a sua. Bastava polir o conceito de “pensamento-ímã”, embasar com frases célebres ditas por grandes mestres como Jesus, Buda, Nietsche, Einsten, dar um visual mais instigante, medieval, com toques de cientificismo e mística, e o sucesso seria imediato.
Decidida, Rhonda procurou alguém para financiar a idéia. Mas quem investiria tanto dinheiro em uma obra de auto-ajuda quando, a cada ano, surgem dezenas de milhares delas por todo o planeta? Sendo assim, ela própria hipotecou a casa na Austrália e rumou para os Estados Unidos – a meca da auto-ajuda – a fim de produzir um documentário que teorizasse a respeito do poder da mente, apresentado ao mundo como “lei da atração”.
Nos Estados Unidos, Rhonda foi à procura dos maiores escritores e conferencistas motivacionais que fazem carreira no ramo da auto-ajuda e convenceu-os a participar do projeto. Para acrescentar credibilidade à teoria a ser revelada e atingir públicos distintos, Rhonda agregou religiosos, psicólogos, filósofos e, é claro, os físicos quânticos – muito embora, segundo o coordenador do Laboratório de Eletrônica da PUC, Luiz Alberto Feijó, “não existem físicos quânticos, assim como não existem físicos elétricos ou fisicos óticos. A quântica é apenas uma área de estudo da Física, da qual muito pouco se sabe, e este nome só é utilizado numa terra de cegos, onde quem estuda Física é rei”.
Talvez Rhonda conhecesse bem os meandros da cegueira. Porém, seu objetivo era exatamente este: reunir depoimentos aparentemente científicos para confirmar sua tese.

A TESE DA LEI DA ATRAÇÃOA ESCALADA PARA O SUCESSOA POLÊMICA ENTRE OS CRISTÃOS

E ela conseguiu. Através desses “especialistas”, contou ao mundo que existe no universo uma força teoricamente denominada lei da atração, cuja funcionalidade – controlada pelo poder do pensamento – é responsável por atrair até você todas as coisas que lhe cercam, desde as grandes conquistas, como o apartamento top de linha que você comprou de frente para o mar, passando pelas pequenas circunstâncias do cotidiano, como o engarrafamento no trânsito, até os mais terríveis problemas e frustrações que o ser humano pode enfrentar.
Como toda boa obra de auto-ajuda, o foco principal esteve centrado na seguinte premissa: “O homem é senhor do universo porque possui sob o seu comando a força mais poderosa até então ‘descoberta’, o pensamento. Basta pensar, crer e seu cérebro emitirá uma seqüência de freqüências eletromagnéticas ao universo que, obedecendo ao funcionamento exato da ‘lei da atração’, atrairá até você tudo aquilo que desejar”.
Mas existem ressalvas: o universo não entende pensamentos negativos e transforma todos eles em positivos. Em outras palavras, se você desejar se ver livre das dívidas, certamente surgirão mais dívidas. Se você estiver concentrada em perder peso, os pneuzinhos chegarão mais depressa. Porém, se seus pensamentos estiverem focados na lucratividade daquele projeto, ou na importância de comer alimentos saudáveis, ricos em nutrientes, automaticamente o universo conspirará em seu favor. O fim das contas e da gordura acontecerá como num efeito dominó. Moral da história: sempre pense positivo, e esteja agradecido, por pior que sejam as circunstâncias. Um conselho que, apesar de não ter nada de científico, todos concordam. De fato, só traz benefícios.
Rhonda realmente deve ter pensado positivo. Seu vídeo – lançado em março de 2006, numa versão on demand via internet ao custo de $4.95 a visualisação – primeiramente chamou a atenção dos internautas que foram bombardeados pelos spams das listas de newsletters dos 24 especialistas que participaram do projeto. Assim, o marketing prosseguiu e-mail-a-email, ou boca-a-boca, por aqueles que assistiam à obra. Logo, surgiu a versão em DVD. Mas o sucesso só veio à tona quando os magos do consumismo americano tomaram conhecimento da obra. Segundo a jornalista Karen Kelly, autora do livro O Segredo do Segredo, recém-lançado no Brasil, em novembro de 2006, a produtora executiva do programa Larry King Live, Wendy Whitworth, levou o líder mais antigo dos talk shows a fazer dois programas sobre o DVD. Devido ao sucesso, surge às pressas, no dia 28 de novembro de 2006, uma versão transcrita de “O Segredo”, dando origem ao livro, que logo começa a ser comercializado e então alcança o topo da lista dos mais vendidos da Amazon.com.
No dia 8 de fevereiro de 2007, para elevar definitivamente a obra ao sucesso, a mais renomada apresentadora da TV americana, Oprah Winfrey, dedicou um programa inteiro à abordagem do assunto, repetindo a dose na semana seguinte. Depois disso, a obra chegou às telas dos cinemas e passou a ocupar a primeira posição no ranking de vendas do The New York Times, USA Today e dos principais veículos de comunicação do mundo. No Brasil, O Segredo esteve diversas semanas na lista dos mais vendidos da Folha de São Paulo e da revista Veja. O DVD já vendeu mais de 2 milhões de exemplares e o livro já ultrapassou os 7,5 milhões. Ao que tudo indica, a obra deve se tornar o maior fenômeno editorial de todos os tempos na categoria auto-ajuda. De acordo com a assessoria de imprensa de Rhonda, em 2008 o best-seller receberá tradução para mais trinta idiomas, além dos quinze já em circulação.
Todo este sucesso repercutiu em forma de questionamentos entre a comunidade cristã. Afinal, a lei da atração existe? O Segredo e a Bíblia possuem pontos em comum? Quem atende às nossas orações, Deus ou a lei da atração? Fé e pensamento positivo levam aos mesmos resultados?
Rhonda declara ter utilizado a própria Bíblia para reforçar a teoria de que o ser humano pode todas as coisas, se acreditar. “O processo criativo usado em O Segredo foi extraído do Novo
Testamento e é uma diretriz fácil para a obtenção de qualquer coisa que você queira ter ou realizar”, escreve a autora. Citando passagens como Marcos 11.14 e Mateus 21.22, que dizem: “E tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis”, Rhonda assegura que o próprio Jesus conhecia e colocava em prática a fórmula da lei da atração.

Segundo o escritor Huberto Rohden, autor do livro Paulo de Tarso, o sentido de “crer” não coincide com o de “ter fé”, como exigem as Escrituras. “Crer designa algo vago, incerto, nebuloso, ao passo que ter fé é ter fidelidade, estar harmonizado, sintonizado. Ter fé designa um estado de alta fidelidade ou harmonização entre a alma humana e o espírito de Deus. Nesse sentido, é exata a expressão ‘o justo vive de fé’, mas não no sentido de crer”.
A lei da atração é quase uma reedição da teoria do Pensamento Positivo, desenvolvida pelo pastor e psicólogo Norman Vincent Peale, nos anos 70, apenas com uma nova roupagem. “É claro que enquanto Rhonda descarta Deus e toda a sua capacidade de interagir conosco, Peale acreditava que Jesus era a razão máxima para o otimismo indestrutível”. O pastor da Igreja Batista da Orla de Niterói (RJ), Neuber Lourenço, não crê que exista propriamente uma “lei” da atração. “Não dá para tratar um tema tão subjetivo como lei física, por exemplo. Porém, acredito que determinadas atitudes mentais podem nos ajudar a atingir nossos objetivos. Creio também que é possível alcançar os propósitos e as bênçãos de Deus para as nossas vidas através da oração, da fé e do nome de Jesus”.

Ed Gungor, um pastor americano que recentemente lançou no Brasil a obra intitulada Muito Além do Segredo, explica que a maior parte do que foi escrito sobre a lei da atração é bem diferente da Bíblia. “Não se fala sobre usar a lei para fins altruístas; ao contrário, a ênfase recai sempre sobre o indivíduo, privilegiando a cobiça material, todo o condicionamento físico, toda a fortuna e toda a fama que ele puder tomar para si”.
Nada mais natural a uma sociedade que transformou até mesmo as coisas simples da vida em bens consumíveis. De fato, Rhonda e sua equipe enfatizam exaustivamente as riquezas materiais, como se elas levassem à realização plena do ser humano, e garantem às pessoas que aprenderem a utilizar O Segredo que elas atingirão esta felicidade.
Um dos “felizardos” que comentam os atrativos resultados do “saber aplicar a lei” é o escritor, professor e conferencista motivacional Jack Canfield. E declara: “Desde que aprendi O Segredo e comecei a usá-lo em minha vida, ele se tornou realmente mágico. Moro numa mansão de 4,5 milhões de dólares, tenho uma esposa por quem morreria, passo férias em todos os lugares fabulosos do mundo. Escalei montanhas. Fiz explorações. Participei de safáris. E tudo isso aconteceu e continua a acontecer por eu saber utilizar O Segredo”.

O jornalista Sérgio Pavarini, que recentemente foi mediador de um debate sobre O Segredo entre o pastor Ed Renê Kivitz e o escritor Ed Gungor, declara que “a lei da atração” é apenas mais uma das “formuletas” oportunistas que se valem da necessidade que o ser humano tem de encontrar estratégias fáceis para alcançar seus objetivos, especialmente na área financeira. Ele chama a atenção de que o mais risível (ou triste, dependendo do ponto de vista) é que se alguém participar de um culto em certas igrejas, vai acreditar que a lei está em vigor no meio do rebanho. “Na comunidade evangélica, ela apresenta-se travestida de ‘profetize para o irmão ao lado’, ‘repita bem alto: sou mais que vencedor’, ‘tome posse da sua bênção’, ‘declare sua vitória’ e outras frases que certamente inspirariam Rhonda Byrne a escrever O Segredo Gospel”.

Ed Renê Kivitz afirma que O Segredo é uma extrapolação dos princípios da física quântica. “O livro está mais para pensamento mágico do que para ciência, e a visão fere a proposta existencial cristã. A lógica das bênçãos e maldições tem a ver com a prática de pecados e não com a força do pensamento. Registre-se que não creio em bênçãos e maldições que não estejam resolvidas na cruz de Cristo”. Para ele, o que Paul Yonggi Cho, pastor da maior igreja do mundo na Coréia do Sul, chama de oração é o que Rhonda chama de lei da atração.

Apesar das críticas, o pastor Gungor acredita que todos os ensinamentos de Rhonda podem ser adaptados à igreja, e metaforiza: “É verdade que a teoria contém problemas. Mas, em vez de repelir, acredito que a Igreja deva reconhecer e utilizar o poder inerente dessa lei. Precisamos nos tornar especialistas na aplicação dessa prática ancestral”.

Adriano Gonçalves, escritor e pastor da Igreja Batista Getsêmani de Ipatinga (MG), também faz objeções à lei da atração, porém acredita que seus efeitos não podem ser ignorados. “Infelizmente, temos no mundo cristão uma repulsa ao novo, ao que está sendo descoberto, mas vejo isto mais como uma fuga do que como uma rejeição com bases sólidas. É mais fácil fugir do que responder, evitar do que ter um confronto com algo que pode mexer com minha fé”. Ou seja, revela um grande despreparo no mundo cristão para objetivar aquilo que está sendo descoberto.

O debate parece não ter fim e os holofotes também se voltam para a teologia da prosperidade que, para alguns, é – nada mais, nada menos – do que a lei da atração gospel. Porém, o cristianismo não está firmado nessa estrutura materialista e individualista sugerida por Rhonda. A caminhada do cristão requer muito mais do que sua obra propõe. O Evangelho de Cristo não é feito somente de ganhos, mas de perdas. Não se traduz em benefícios. Sacrifícios como transformação, perdão, renúncia e desprendimento material são pressupostos de uma vida cristã séria. Caminhar com Cristo representa estar firme em promessas que Ele mesmo já fez e que promovem muito mais que recompensas físicas. A lei da atração, reestudada por Rhonda, poderia propor algo mais radical: a mudança da mente dos homens para que sejam misericordiosos, pacientes, longânimos, afetuosos, benignos… É isso o que mais falta no mundo. E só pode ser obtido quando se tem os frutos do Espírito Santo.

fonte: laionmonteiro.wordpress.com

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