Todo mundo tem um esqueleto no armário. Para os atores, o esqueleto ele costuma ser aquele filme feito há muito tempo e que todos preferem esquecer.
Para Star Wars, o esqueleto chama-se O Especial de Natal. Para nós, os mais velhos (relíquias pré-DVD, pré-videocassete, pré-celular, pré-internet e pré-qualquer coisa hoje considerada normal), o especial foi uma oportunidade única para ver mais um pouco do universo que conhecemos em Guerra nas Estrelas (sim, a saga nessa época ainda levava seu nome traduzido) e tem um valor nostálgico. Mas, vamos ser sinceros, a coisa é dura de engolir. E se transformou num esqueleto não só para Star Wars, como também para Harrison Ford, Carrie Fisher, Mark Hamill e George Lucas em pessoa. Considerado tão ruim que chega a ser bom, qualidade dos trashs de raiz, o especial, exibido uma única vez e jamais lançado oficialmente em qualquer formato, transformou-se imediatamente em ícone cultuado pelos fãs.
Claro que hoje em dia, em tempos de YouTube, cópias e mais cópias não autorizadas do programa passeiam pela Internet, ao alcance de qualquer pessoa que queira ver a que ponto chega a ânsia de Hollywood de ganhar algum dinheiro com uma marca conhecida. O ápice mais recente da aparição do esqueleto aconteceu ano passado, quando Harrison Ford precisou suportar em silêncio enquanto o apresentador Conan O’Brien exibia trechos do especial em seu programa. Como George Lucas comentou em uma entrevista, o especial é algo que aconteceu e os envolvidos têm de viver com isso. Algo como aquilo que você fez no colégio. Ou naquela festinha de final de ano da empresa.
Exibido originalmente em 17 de novembro de 1978 nos Estados Unidos, o especial é visto como cafona e um demérito ao universo criado por Lucas. Oficialmente, o programa se chama The Star Wars Holiday Special, sem nenhuma ligação com o Natal, seja no título ou no roteiro. A exibição original, na verdade, está mais próxima do Dia de Ação de Graças, um feriado de grande importância nos Estados Unidos e ignorado por aqui.
O objetivo da estratégia - ceder o uso dos personagens para um programa de TV - era manter Star Wars vivo na mente do público, numa época em que as seqüências não podiam contar com o lançamento do vídeo ou DVD para aquecer os fãs até o próximo capítulo chegar às telas.
Envolvido na produção de O Império Contra Ataca, George Lucas aprovou o especial e escreveu o roteiro básico do programa. Como toda produção, entretanto, o roteiro passou por várias mudanças, creditadas aos infames produtores Ken e Mitzie Welch. Assim, o primeiro filme derivado de Star Wars foi adiante, custando mais de um milhão de dólares para ser feito, o que o tornou um dos programas mais caros da TV na época. Originalmente, a direção estava a cargo de David Acomba, um amigo de universidade de Lucas. Após dirigir apenas uma seqüência, no entanto, Acomba foi demitido por “diferenças criativas”, jargão hollywoodiano para “não concordamos em nada e a briga está para chegar às vias de fato” e os produtores colocaram Steve Binder na direção.
O roteiro mostra a família de Chewbacca aguardando a chegada do wookie para uma comemoração em seu planeta natal, Kashyyyk. A comemoração dos peludos é mostrada como um momento de reunião familiar como a Ação de Graças. Enquanto seu pai, esposa e filho aguardam, Chewbacca está ao lado de Han Solo a bordo da Millenium Falcon fugindo da armada do Império. Preocupada com o atraso da dupla, a esposa de Chewie entra em contato com Luke, que aparece consertando um caça ao lado de R2D2. Ela também entra em contato com Leia, que aparece ao lado de C3PO. A história inclui, ainda, uma cena com Darth Vader ordenando uma busca pelos rebeldes, o que garante a presença desta “jóia” também no currículo de James Earl Jones. David Prowse, que interpretou Vader em grande parte das cenas no cinema, e Kenny Baker, ficaram de fora dos créditos, e devem estar agradecidos até hoje. Em Kashyyyk, soldados do Império invadem a casa de Chewbacca, fazem uma busca e por pouco deixam de notar o comunicador oculto na sala. A presença dos personagens de Star Wars mais a perseguição do Império daria uma aventura bacana, se não fosse o roteiro ridículo e os clipes musicais e números de equilibrismo e acrobacia. Um dos clipes tem a participação especial do grupo Jefferson Starship cantando "Light the Sky on Fire". Se você não assistiu e sente que usaram o nome Star Wars para nada, tem toda a razão. Para coroar o desastre, Carrie Fisher aparece cantando o tema de Star Wars. Sua expressão abobada e olhos dilatados deu origem a todo tipo de comentário de que a atriz estava drogada durante as filmagens.
Mas nem tudo está perdido: Enquanto sua casa é revistada com a delicadeza adequada aos soldados do Império, o filho de Chewbacca assiste a um desenho animado de uma aventura de seu pai, ao lado de Han Solo, Luke e Leia. Em meio ao especial, que ganhou o primeiro lugar no livro What Were They Thinking?: The 100 Dumbest Events in Television History (O Que Eles Estavam Pensando? Os 100 Eventos Mais Estúpidos da História da TV), o desenho animado transformou-se no momento de salvação. Ele mostra a estréia de Boba Fett, o caçador de recompensas que só seria visto em O Império Contra Ataca e se transformaria num dos maiores índices de sucesso por segundo em cena da história do cinema. O desenho animado foi produzido pela Nelvana Studios, que mais tarde produziria Droids e Ewoks, ambos de 1985, e parece ter escapado da sina de esqueleto no armário do Especial de Natal. Em 2002, cenas do desenho foram incluídas em um dos documentários exibidos na Internet como parte da estratégia de lançamento de O Ataque dos Clones. "Cabeça de Balde", narrado por Jeremy Bulloch, explica as origens e o fascínio por Boba Fett e foi depois incluído nos extras do DVD de Ataque dos Clones.
A animação como porta de entrada de Boba Fett, entretanto, não foi suficiente para garantir ao Especial de Natal uma posição de maior respeito na história de Star Wars ou no currículo de George Lucas. O especial não aparece citado em A Guide to the Star Wars Universe, nem mesmo na biografia de Boba Fett. O programa não é mencionado também em George Lucas – The Creative Impulse, livro de Charles Champlin sobre os primeiros 20 anos da Lucasfilm. Vale dizer que outro desastre da carreira de Lucas, Howard, o Pato, ocupa sete páginas do volume! O nome do cineasta também não aparece nos créditos do programa como roteirista do argumento original. Supõe-se que ele tenha exigido a retirada de seu nome depois de ver o resultado da produção. O especial de Natal também foi cortado do documentário Empire of Dreams (Império dos Sonhos). Produzido e dirigido por Kevin Burns, com autorização de George Lucas e acesso aos arquivos da Lucasfilm, o documentário mostra a produção dos três primeiros filmes da saga. Nele, nada menos do que dez minutos eram dedicados ao especial de Natal como exemplo do que podia acontecer quando o controle do universo Star Wars era cedido aos executivos de estúdio. A seqüência, no entanto, foi cortada sob a alegação de não se encaixar na premissa do documentário.
O único lugar onde o programa jamais é esquecido é na Internet, onde cópias são oferecidas diariamente, e nas listas dos piores da TV. Além do primeiro lugar em What Were They Thinking?, o Especial ficou no 59o. lugar entre os cem momentos mais inesperados da TV das revistas TV Guide e TV Land. Uma das lendas ligadas ao programa diz que George Lucas tentou comprar todas as cópias existentes (no melhor estilo Xuxa Meneghel ou Roberto Carlos), e teria comentado numa convenção na Austrália que se tivesse tempo e uma marreta, ele destruiria pessoalmente todas as cópias não autorizadas existentes no planeta. Procurada pelo Omelete, a Lucasfilm garantiu que o comentário foi uma brincadeira do diretor e que a empresa jamais fez qualquer esforço para destruir cópias do Especial de Natal. Mas, a empresa também informou que não há planos de lançar o programa em DVD nem mesmo em comemoração aos 30 anos de Star Wars.
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