segunda-feira, novembro 19, 2007

Não se perde o que não se tem

KÁTIA ABREU


A QUESTÃO da votação da CPMF, com o presidente da República alegando solenemente que o Tesouro não pode perder R$ 40 bilhões, é um dos mais insólitos episódios -e Deus queira que não seja igualmente desastroso- da nossa história republicana. Ora, esses lamentados R$ 40 bilhões simplesmente não existem. Não deviam ser considerados nem mesmo como presunção, pois se referem, como diz o nome, a uma "contribuição provisória" que simplesmente deixará de existir na data prevista na Constituição, 31 de dezembro de 2007. Em dez anos, já rendeu R$ 209,4 bilhões, cumpriu seus objetivos. Hoje, as circunstâncias são outras. Sem falar que há excesso de arrecadação federal -muito dinheiro em caixa- e que as finanças da República nem chegarão a pestanejar se deixar de entrar esse dinheiro, pois a arrecadação de outros impostos o compensam fartamente.


Estou fazendo essas descobertas enquanto me preparo para produzir meu parecer sobre a prorrogação da CPMF, a mais importante decisão do Senado neste final de 2007, na Comissão de Constituição e Justiça. Disposta a honrar essa incumbência, estou ouvindo dia e noite economistas, financistas, tributaristas, ministros. Nada me impressionou mais do que verificar uma confissão formal do próprio governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em cujo artigo 100 está exposto um caso típico do caminho das pedras da anedota, em que há dinheiro novo em quantidades superiores à própria arrecadação da CPMF para pagar o Bolsa Família, sustentar a saúde e até o PAC. Tenho sido implacável com os especialistas que consulto.


Aproveitando, reclamando o benefício da minha condição de leiga, faço até as perguntas mais elementares para que, na qualidade de representante do povo, meu julgamento político seja conseqüente. Não sou técnica, seria ridículo se improvisasse em tão pouco tempo. Por isso, peço aos consultores que me expliquem causas e efeitos e examinem as hipóteses possíveis e me comporto -disse-me um deles que aplico o método socrático de questionamento, fiquei orgulhosíssima!- como uma inquisidora atenta e responsável. A essa altura, já estou certa de que terei condições de concluir objetivamente meu parecer, recomendando aos meus colegas senadores da República que derrubem a CPMF. Conscienciosamente. Minha exposição terá três tempos bem definidos. Não vou antecipá-los agora, mas verifico que estão na rua, bem identificados pelos brasileiros. No fim de semana, estava nos jornais a atriz Fernanda Montenegro, com sua dignidade austera de cidadã que tanto nos orgulha, dizendo, em meio a uma entrevista sobre sua próxima peça (quando viverá Simone de Beauvoir, ao lado de Sérgio Britto, que fará Sartre), que 30% de tudo que ganha com seu trabalho vai para o governo em forma de impostos. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário diz precisamente que são 36% do PIB, equivalente a R$ 907,3 bilhões.


Trocando em miúdos: os brasileiros, em 2007, trabalharão quase cinco meses para pagamento de impostos. Pagamos duas vezes mais que no México, na Coréia do Sul e no Chile, nações comparáveis ao nosso estágio de desenvolvimento, enquanto nos aproximamos da média de 38% dos países industrializados. Ou seja, ganhamos como pobres, pagamos como ricos. Enquanto isso -pretendo começar por aí a segunda parte do relatório-, mostrarei que o governo esbanja o dinheiro que arrecada, sem fazer a menor economia, com 36 ministérios, 115 empresas estatais e 24 mil cargos de confiança, dos quais 18 mil são ocupados por "companheiros do PT" sem a devida qualificação técnica e que recolhem uma porcentagem (no caixa do Tesouro) para o partido. Por aí, estou firmemente convencida de duas coisas: basta de tantos impostos e é preciso reorganizar e racionalizar a cobrança dos que existem para que custem menos aos pobres que aos ricos (ao contrário da perversão atual), revertendo a condição de 48% de todos os tributos serem incidentes sobre o consumo e, principalmente, não onerando tanto a produção, desestimulando a criação de empregos. Noutras palavras, espero oferecer argumentos para que se faça urgentemente uma reforma tributária. Tenho muito orgulho dessa grande tarefa que o Senado Federal me confia já no primeiro ano de mandato como representante do Tocantins. Vou honrá-la.

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